quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

FALAR É AMAR, de Fabrício Carpinejar


Tudo o que é bonito e não tem com quem dividir dói por dentro. Pássaros na janela, bolinho de chuva, lua cheia, um filme sensível, um livro feito de suspense, a neblina cobrindo o rio, as estrelas no alguidar da noite, uma orquídea brotando sua pétala de colher.
Tudo o que é lindo se não é partilhado sufoca, cria ansiedade, maltrata a solidão. Não temos como segurar a beleza muito tempo dentro da gente, senão ela vira dor muscular, tensão, medo.
Olhar é esquecer. As palavras são nossos olhos para guardar.
O impacto das recordações reside no fato de contá-las. A vida pede passagem muito rápido e temos que anotar o que sentimos na primeira pessoa que aparece em nossa frente. A folha de rosto é o rosto do amigo.
É descrevendo que a beleza aumenta, que o quintal se transforma em rua.
Beleza retida é angústia. Beleza falada é deslumbramento.
A emoção vem da transição do mundo interior para o exterior, do choque da passagem.
Da minha infância, mantenho o que falei ou que viram que eu fiz. O que amei em silêncio sumiu no turbilhão de imagens sem a senha e a frase de segurança.
Guardei apenas o céu da meninice porque narrava aos pais onde a minha pandorga ia, quais nuvens caçava, se era rinoceronte ou javali.
A pandorga é a minha gaveta do céu. Quando ainda toco na pandorga, vejo o que senti naquele tempo de caça aos ventos, vejo as minhas letras presas nos gravetos.
Esqueceria se não descrevesse. A memória pode vir a ser um terreno baldio ou um jardim. Podar é cortar e editar as lembranças. Aquele que não escolhe o que foi não é nada.
Fale o quanto você ama alguém, para o amor multiplicar. Não economize. Não seja lacônico. Não deduza que é desnecessário, que o outro já sabe. Não confie na telepatia e na leitura de pensamentos.
Palavras também são gestos. Longe das testemunhas, o que vivemos é ilusão.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

RECADO AOS AMIGOS DISTANTES, de Cecília Meireles

Meus companheiros amados,
não vos espero nem chamo:
porque vou para outros lados.
Mas é certo que vos amo.

Nem sempre os que estão mais perto
fazem melhor companhia.
Mesmo com sol encoberto,
todos sabem quando é dia.

Pelo vosso campo imenso,
vou cortando meus atalhos.
Por vosso amor é que penso
e me dou tantos trabalhos.

Não condeneis, por enquanto,
minha rebelde maneira.
Para libertar-me tanto,
fico vossa prisioneira.

Por mais que longe pareça,
ides na minha lembrança,
ides na minha cabeça,
valeis a minha Esperança.