sexta-feira, 29 de abril de 2016

A FELICIDADE, de Vinícius de Moraes

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar

A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
Pra tudo se acabar na quarta-feira

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranqüila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor

A felicidade é uma coisa boa
E tão delicada também
Tem flores e amores
De todas as cores
Tem ninhos de passarinhos
Tudo de bom ela tem
E é por ela ser assim tão delicada
Que eu trato dela sempre muito bem

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A minha felicidade está sonhando
Nos olhos da minha namorada
É como esta noite, passando, passando
Em busca da madrugada
Falem baixo, por favor
Pra que ela acorde alegre com o dia
Oferecendo beijos de amor

quarta-feira, 27 de abril de 2016

QUANDO EU NÃO TE TINHA, de Alberto Caeiro

Quando eu não te tinha
Amava a Natureza como um monge calmo a Cristo.
Agora amo a Natureza
Como um monge calmo à Virgem Maria,
Religiosamente, a meu modo, como dantes,
Mas de outra maneira mais comovida e próxima ...
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos até à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor —
Tu não me tiraste a Natureza ...
Tu mudaste a Natureza ...
Trouxeste-me a Natureza para o pé de mim,
Por tu existires vejo-a melhor, mas a mesma,
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Por tu me escolheres para te ter e te amar,
Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as cousas.
Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou.

Só me arrependo de outrora te não ter amado.



AINDA QUE MAL, de Carlos Drummond de Andrade

Ainda que mal pergunte,
ainda que mal respondas;
ainda que mal te entenda,
ainda que mal repitas;
ainda que mal insista,
ainda que mal desculpes;
ainda que mal me exprima,
ainda que mal me julgues;
ainda que mal me mostre,
ainda que mal me vejas;
ainda que mal te encare,
ainda que mal te furtes;
ainda que mal te siga,
ainda que mal te voltes;
ainda que mal te ame,
ainda que mal o saibas;
ainda que mal te agarre,
ainda que mal te mates;
ainda assim te pergunto
e me queimando em teu seio,
me salvo e me dano: amor.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

QUEBRA-CABEÇA DO AMOR, por Mônica Martelli

A vida amorosa é como um quebra-cabeça em que homens e mulheres são as peças. Tentamos encaixar umas às outras e, mesmo pegando muitas pecinhas erradas, depois de um tempo a gente acaba encontrando a certa e encaixando. É bom lembrar que nesse jogo tem muito mais peças femininas do que masculinas. Pelo menos aqui no Rio. Nas minhas andanças, conheci tipos de mulheres muito diferentes, que dividi em categorias.

A primeira categoria eu admiro pela persistência. É formada por mulheres que sempre pegam a peça errada. Escolhem uma e não é, tentam de novo e mais uma vez não acertam. Essas já estão calejadas. Não perdem muito tempo, não. E assim, com um fôlego de gato, otimismo, fé, homeopatia e muita terapia, continuam tentando, tentando, tentando... até o dia em que encontram a peça certa.

A segunda é preocupante. Elas pegam a peça errada e forçam a barra para encaixá-la de qualquer maneira. A pecinha está torta, não encaixa, sobra espaço, todo mundo vê, avisa... mas não tem jeito. Fecham os olhos e apertam o “enter”, se jogam no abismo, insistem no erro e depois voltam para o jogo, arrasadas! Eu me identifico muito com essa categoria.

A terceira me causa perplexidade! Ela é composta por mulheres que só pegam as peças certas. Encontram a primeira, encaixam, ficam anos felizes e depois de muito tempo, se for preciso, voltam para o quebra-cabeça e vão direto para outra peça certa. É INCRÍVEL! Elas nunca ficam solteiras! Não erram! Saem de um namoro de anos, ou de um casamento, e já engatam em outro sem dificuldade nenhuma! É tudo normal! Sempre reparei muito nessas mulheres para tentar detectar alguma coisa que me pudesse ser útil. Será que elas agem de forma diferente? Será que é o tipo de trabalho? Um amigo me disse que os homens estão preferindo gerentes de loja ou advogadas, pessoas com horários mais regulares. 

Eu, por exemplo, sou atriz. Será que alguém vai querer uma mulher que trabalha no fim de semana, nunca pode viajar, está sempre em busca de um personagem e sempre com medo de que tudo dê errado? SIM!!! Graças a Deus, depois de muito tempo encaixei certo. Não estou mais solteira! 

A quarta categoria é a que mais me dá pena! São as mulheres que olham a pecinha certa, chegam a segurar, mas soltam. Não pegam! O olhar está na direção errada. Na hora H dá uma miopia e não focam certo. Depois de anos vão se dá conta: "Nossa! Você? Eu sempre te via lá, solto de um lado pro outro, nunca imaginei!” Quanto tempo perdido!!

Mas é a quinta categoria que mais me intriga. São as mulheres que encaixam duas ou mais peças ao mesmo tempo, não sei como. Estão, constantemente, envolvidas com vários homens. Em geral com o ex e o atual, os dois são apaixonados e estão sempre querendo casar com ela. E às vezes tem um terceiro, que ela acabou de conhecer, por acaso, que também está apaixonado e quer casar. 

Eu tenho uma amiga que a mãe aos 55 anos, casada pela segunda vez com um marido apaixonado, tem um amante de 29 anos mais apaixonado ainda...Pode?
Em que planeta vivem essas mulheres? Eu queria só dar uma voltinha por lá, para ver se capto alguma coisa. Há homem de mais para umas e de menos para outras! Tem mulher usando a cota que não lhe pertence. A distribuição não está correta! Ou então estão mentindo pra gente e pra elas mesmas.

Mas ainda existem aquelas que não participam. Ficam de fora, sem a possibilidade de amar e ser amadas. É a inadmissível sexta categoria. Pois o que importa mesmo é estarmos dentro do jogo. Correndo riscos, vivendo medos e expectativas. Faz parte do quebra-cabeça. Afinal, aos trancos e barrancos caminhamos, buscando usufruir do maior significado da vida: o amor.

Publicado na Revista Época, em 11/09/2012

sexta-feira, 15 de abril de 2016

IMAGENS, de Eros Trovador

seguro um pouco de tudo que me escapa.
sou escada.

colho um pouco das flores que sorriem para mim.
sou jardim.

faço com um pouco de música um belo nó de gravata.
sou serenata.

coloco em minha angústia um pouco de tempero.
sou cozinheiro.

varro um pouco das folhas secas do chão.
sou solidão.

escolho um pouco das palavras que meço.
sou verso.

jogo o que está embaixo para cima.
sou rima.

quarta-feira, 13 de abril de 2016

ATÉ QUE A MORTE NOS SEPARE, por Margarida Rebelo Pinto

"Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa", diz-me há muitos anos uma amiga advogada, daquelas que gosta de ir à Barra e de lutar até à morte quando tem a lei do seu lado e a razão também. Lembro-me muitas vezes desta frase porque é assim como a massa de vidraceiro e o purê de batata, dá mais ou menos para tudo. Voltando ao infinito tema do amor versus sexo: é de notável relevância a aplicação da mesma, porque de fato, o amor é uma coisa e o sexo é outra.

O melhor texto que já li sobre "Descubra as Diferenças" quantos aos supracitados temas é do Arnaldo Jabor. A Rita Lee, que também é sábia, fez uma música com a letra retirada do mesmo texto, intitulada ‘Amor e Sexo’. Ora tal texto e tal música revelam-se muito úteis para arrumar nas cabeças das donzelas dois mundos que nem sempre se cruzam na vida real, embora o universo feminino goste de pensar que sim. Sou a primeira a professar que os homens amam aquilo que desejam e as mulheres desejam aquilo que amam, mas atenção porque isto não exclui todas as outras variáveis: um homem pode desejar loucamente uma mulher sem a amar, pode amá-la sem a desejar, e as mulheres podem amar os seus maridos e no entanto, com o passar dos anos e a acidez da rotina, estar sujeitas e perder por eles o desejo. E se há quem o perca para sempre, também há quem o desvie para outros sujeitos, cujo objetivo é tão somente o de satisfazer o mesmo, mas com outro parceiro.

Não se choquem as leitoras mais pudicas em pensar que não existem apenas mulheres-objeto. Também há disso em forma de homem, embora com nuances um pouco diferentes, porque, para uma mulher, por mais despachada e desempoeirada que seja, tem de haver sempre um certo elo. Uma mulher precisa de uma razão, um homem precisa de um lugar. Uma mulher precisa sentir carinho, um homem precisa despachar o assunto. Uma mulher acaba sempre por fantasiar, nem que seja por um segundo, um homem nem pensa nisso.

Sempre existiram os namorados-enxuga, os amigos do peito, os ‘fuck-buddies’ de ocasião, tanto em vidas solteiras como em comprometidas ou casadas. O casamento não é à prova de bala nem à prova de nada. E há quem diga que para se ter um caso com uma pessoa casada, o melhor mesmo é também ser casado, porque assim jogam de igual para igual.

Sexo e amor não são a mesma coisa, mas volto a minha teoria que defendo como uma religião; se se encontrarem os dois na cama – o sexo e o amor – é como alcançar o nirvana sem sair do quarto. Amar alguém é bom, ter bom sexo com alguém é bestial, mas conseguir as duas coisas é "O Pleno". Todos sabemos que o ótimo é inimigo do bom e quando chegamos ao ótimo, nunca mais queremos sair de lá. É como quando se compra um casaco de caxemira; depois de o vestir durante uns dias, qualquer outro tipo de lã causa espécie sobre a nossa pele.

Quando o amor é muito e o sexo extraordinário, estamos sempre condenados, ou a ser estupidamente felizes, ou a sofrer de privação, tristeza, dores de cabeça, ansiedade e noites mal dormidas se o outro não está ali ao nosso lado, pronto para nos agarrar. Sexo e amor não são a mesma coisa, mas quando se fundem na mesma pessoa, é o caos. Não vale a pena tentar resistir, porque não conseguimos ganhar. É demasiado perfeito para resistir. Mais vale içar a bandeira branca, respirar fundo e confiar na sorte. Às vezes, ela está bem ali, do outro lado do medo, à espera de ordem para entrar. E já agora, ficar. Até que a morte nos separe.

terça-feira, 12 de abril de 2016

MOMENTOS DIFÍCEIS, por Odegine Graça

Existem momentos na vida em que tudo parece escuro, em que tudo desmorona. Não encontramos explicações, e nem conseguimos ver luz no fim do túnel. Tudo oque existe em nosso peito é angustia e desespero, um desespero mórbido, uma dor calada, um grito preso na garganta, e tudo escuro. São momentos em que nenhum tipo de explicação faz sentido, e por vezes, todas as nossas crenças se desmoronam, e de nossas certezas restam nada além de nada.

Esses são aqueles momentos em que chamamos de crise. Aquele momento em que não temos como evitar ou negar a impiedosa mudança. Ela vem em forma de furacão e acaba com tudo. Quando estamos envoltos por essa crise, somos obrigados a deixar todos os modelos de comportamento que conhecemos e procurar novos caminhos, pois tudo aquilo que sabíamos até então não faz mais o mínimo sentido. Só sabemos que precisamos mudar, mas nem sabemos o que ou ainda como. Enfrentamos então esses poderosos movimentos de mudança, em primeiro momento com tristeza e amargura, logo depois com resignação.

Todo o movimento de crise e mudança exige que em primeiro lugar aceitemos nossa realidade, olhemos para aquilo que está nos acontecendo sem vendas nos olhos, sem explicações ou negação, que somente olhemos para o que está acontecendo de fato e aceitemos os fatos assim como eles são, exatamente como são. Se rejeitarmos a realidade estamos negando a nós mesmos a chance de mudar, e passamos a vítimas e carrascos de nós mesmos. Aceitar aquilo que nos acontece, exige que não façamos nenhum juízo de valor sobre os fatos. Aquele momento com seu peso não é bom nem ruim. Simplesmente está ali acontecendo.

A medida que vamos aprendendo a aceitar o que nos acontece sem julgamentos de valor, enfeites positivos ou negativos, vamos nos tornando amigos da realidade de nós mesmos. Quando ao contrário, vamos rejeitando a verdade, vamos nos destruindo e ficando cada vez mais enfraquecidos, até nos tornamos nosso maior inimigo.

Confúcio disse “quem pretender felicidade e sabedoria constantes, deverá se acostumar a frequentes mudanças, e mudança significa crise”.

O passado, o presente e o futuro se reúnem em um só momento, na crise, e essa é o movimento de mudança. Saber transitar nesse momento de crise é aquilo que fará com que você resgate seu ânimo, que tenha uma profunda convicção de que a vida é sábia, que o sol vai brilhar no seu caminho novamente, por mais escura que lhe pareça a noite nesse momento.

Ser protagonista de sua própria vida significa seguir seu caminho vivendo a vida como ela é. Sentir-se por inteiro e completo no momento da mudança é saber que a vida traz em si toda a propriedade de morrer e renascer, que a todo o momento de crise estamos nos parindo e que apesar da dor subjacente desse momento, uma linda vida, nova e saudável, resultará dai.

Acredite, a vida é bela.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

A LISTA, de Oswaldo Montenegro

Faça uma lista de grandes amigos,
quem você mais via há dez anos atrás...
Quantos você ainda vê todo dia ?
Quantos você já não encontra mais?
Faça uma lista dos sonhos que tinha...
Quantos você desistiu de sonhar?
Quantos amores jurados pra sempre...
Quantos você conseguiu preservar?
Onde você ainda se reconhece,
na foto passada ou no espelho de agora?
Hoje é do jeito que achou que seria?
Quantos amigos você jogou fora...
Quantos mistérios que você sondava,
quantos você conseguiu entender?
Quantos defeitos sanados com o tempo,
era o melhor que havia em você?
Quantas mentiras você condenava,
quantas você teve que cometer ?
Quantas canções que você não cantava,
hoje assobia pra sobreviver ...
Quantos segredos que você guardava,
hoje são bobos ninguém quer saber ...
Quantas pessoas que você amava,
hoje acredita que amam você?

quinta-feira, 7 de abril de 2016

ANTES DO NOME, de Adélia Prado

Não me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o “de”, o “aliás”,
o “o”, o “porém” e o “que”, esta incompreensível
muleta que me apóia.
Quem entender a linguagem entende Deus
cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,
foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infrequentíssimos,
se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
Puro susto e terror.

quarta-feira, 6 de abril de 2016

OS POEMAS, de Mario Quintana

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…


(Publicado originalmente no livro Esconderijos do Tempo, retirado de Poesia Completa – Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2005, p. 469)

terça-feira, 5 de abril de 2016

AUTO-RETRATO, de Mario Quintana

No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore...

às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...

e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,

no final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!



Apontamentos de História Sobrenatural

segunda-feira, 4 de abril de 2016

MINHA VIDA, MEU PERDÃO, de Clarice Lispector

Não sei perder minha vida
Não sei qual a minha culpa
mas peço perdão.
A luz do farol revelou-os tão rapidamente 
que não puderam ver.
Peço perdão por não ser uma "estrela" 
ou o "mar"ou por não ser alegre
mas coisa que se dá.
Peço perdão por não saber me dá 
nem a mim mesma,
para me dar desse modo a minha vida se fosse preciso
mas, peço de novo perdão
não sei perder minha vida.