terça-feira, 16 de maio de 2017

ATÉ O FIM, de Chico Buarque de Holanda


Até o fim

Quando nasci veio um anjo safado
O chato do querubim
E decretou que eu estava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim
"inda" garoto deixei de ir à escola
Cassaram meu boletim
Não sou ladrão, eu não sou bom de bola
Nem posso ouvir clarim
Um bom futuro é o que jamais me esperou
Mas vou até o fim
Eu bem que tenho ensaiado um progresso
Virei cantor de festim
Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso
Em Quixeramobim
Não sei como o maracatu começou
Mas vou até o fim
Por conta de umas questões paralelas
Quebraram meu bandolim
Não querem mais ouvir as minhas mazelas
E a minha voz chinfrim
Criei barriga, a minha mula empacou
Mas vou até o fim
Não tem cigarro acabou minha renda
Deu praga no meu capim
Minha mulher fugiu com o dono da venda
O que será de mim ?
Eu já nem lembro "pronde" mesmo que eu vou
Mas vou até o fim
Como já disse era um anjo safado
O chato dum querubim
Que decretou que eu estava predestinado
A ser todo ruim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim

Chico Buarque de Holanda

sexta-feira, 12 de maio de 2017

DEIXA QUE O OLHAR..., de Olavo Bilac


Deixa que o olhar...

Deixa que o olhar do mundo enfim devasse
Teu grande amor que é teu maior segredo!
Que terias perdido, se, mais cedo,
Todo o afeto que sentes, se mostrasse?

Basta de enganos! Mostra-me sem medo
Aos homens, afrontando-os face a face:
Quero que os homens todos, quando eu passe,
Invejosos, apontem-me com o dedo.

Olha: não posso mais! Ando tão cheio
Desse amor, que minh`alma se consome
De te exaltar aos olhos do universo.

Ouço em tudo teu nome, em tudo o leio:
E, fatigado de calar teu nome,
Quase o revelo no final de um verso.

Olavo Bilac

quinta-feira, 11 de maio de 2017

SONETO, de Cláudio Manoel da Costa


Estes os olhos são da minha amada,
Que belos, que gentis e que formosos!
Não são para os mortais tão preciosos
Os doces frutos da estação dourada.

Por eles a alegria derramada
Tornam-se os campos de, prazer gostosos.
Em zéfiros suaves e mimosos
Toda esta região se vê banhada.

Vinde olhos belos, vinde, e enfim trazendo
Do rosto do meu bem as prendas belas,
Dai alívio ao mal que estou gemendo.

Mas ah! delírio meu que me atropelas!
Os olhos que eu cuidei que estava vendo,
Eram (quem crera tal!) duas estrelas.

terça-feira, 9 de maio de 2017

SEGUNDO MOTIVO DA ROSA, de Cecília Meireles

Resultado de imagem para rosa

Por mais que te celebre, não me escutas,

embora em forma e nácar te assemelhes
à concha soante, à musical orelha
que grava o mar nas íntimas volutas.


Deponho-te em cristal, defronte a espelhos,
sem eco de cisternas ou de grutas…
Ausências e cegueiras absolutas
ofereces às vespas e às abelhas.


E a quem te adora, ó surda e silenciosa,
e cega e bela e interminável rosa,
que em tempo e aroma e verso te transmutas!


Sem terra nem estrelas brilhas, presa
a meu sonho, insensível à beleza
que és e não sabes, porque não me escutas…