segunda-feira, 27 de abril de 2015

CANÇÃO PÓSTUMA, de Cecília Meireles


Fiz uma canção para dar-te;
porém tu já estavas morrendo.
A Morte é um poderoso vento.
E é um suspiro tão tímido a Arte... 

É um suspiro tímido e breve
como o da respiração diária.
Choro da pomba. E a Morte é uma águia
cujo grito ninguém descreve. 

Vim cantar-te a canção do mundo,
mas estás de ouvidos fechados
para os meus lábios inexatos
- atento a um canto mais profundo. 

E estou como alguém que chegasse
ao centro do mar, comparando
aquele universo de pranto
com a lágrima da sua face. 

E agora fecho grandes portas
sobre a canção que chegou tarde.
E sofro sem saber de que arte
se ocupam as pessoas mortas. 

Por isso é tão desesperada
a pequena, humana cantiga.
Talvez dure mais que a vida.
Mas à Morte não diz mais nada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário