sexta-feira, 1 de julho de 2016

RESILIÊNCIA - PARTE II, de Ivânia Backes

Os meses foram passando e eu ficando, a cada dia, com mais vergonha de ser uma alemoa batata. Não conseguia entender as lições do quadro, do livro e tampouco escrever no caderno. Sofria por ser diferente, me sentir a mais pobre e desdentada da sala. Chorava porque não queria mais ir para a escola. Eu sabia o que aconteceria ao final de cada aula. Fugir das crianças machucava minhas pernas e pés, que sangravam. Antes de cada aula terminar, tirava os sapatos para conseguir correr mais rápido.


Em uma visita a nossa casa, a esposa do meu tio, chamada Ana, professora no interior, em uma conversa comigo sobre a escola, percebeu que alguma coisa estava acontecendo. Contei minha sina diária com as letras. Condoeu-se com o que eu estava passando. Alertou meus pais sobre minhas dificuldades de aprendizado. Prontificou-se a nos visitar a cada 15 dias para me ensinar o português. Em seis meses, eu conseguia entender a língua e montar algumas frases, embora ainda com grandes dificuldades, trocando o “t” pelo “d”, “m” por “n”. O alivio chegou quando o ano letivo encerrou. Consegui avançar para a segunda série com o apoio da professora Ana. Ela também me garantiu que tudo mudaria, pois novos colegas entrariam na classe. Ledo engano. 

O bulling continuou na segunda série, no entanto eu já conseguia me defender quando as crianças caçoavam dos meus erros e mostrava a língua. Da metade da aula em diante ficava em pânico.Imaginava que seria surrada. Enfrentei uma briga que envolveu socos, pontapés e puxões de cabelo com uma colega que havia roubado o meu lenço que ganhara da tia Ana. Quando a professora me colocou de castigo por ter brigado, aumentou a dificuldade de brincar, de me relacionar com outras crianças, enfim, de ser eu mesma.

Os problemas que enfrentei na cidade grande eram muitos. Iam além da dificuldade de comunicação e da escola. Meu pai bebia cada dia mais. Ele e minha mãe discutiam todas as noites. Na maioria das vezes as brigas terminavam quando ele começava a bater nela. Da minha cama ouvia tudo. Cobria a cabeça com a coberta, rezando para que um vizinho chamasse a policia. Isto nunca aconteceu. 

Na minha casa, nem de tios, avós ou de outros familiares havia alegria. Eu achava isto muito estranho porque nas poucas casas que eu tinha permissão de visitar aos sábados após terminar as tarefas de casa os risos eram contagiantes. Ao contrário da nossa família em que todos pareciam continuamente zangados.
A tia Ana continuava enviando para mim, livros, exercícios e jogos. Receber os mimos era minha única fonte de alegria.

Algumas pessoas cruzam nossa vida e saem sem deixar sinais de sua passagem, porém há pessoas que nos marcam para sempre. Ana foi a pessoa que me marcou intensamente fazendo a diferença na minha trajetória. Pena ter perdido o contato com ela quando o casal se separou. Gostaria que ela soubesse o quanto foi importante para mim e o quanto sou grata.

O segundo ano morando na cidade grande demorou a passar. Então meu pai decidiu que mudaríamos para outro bairro de Novo Hamburgo. Implorei a ele para voltarmos para o interior. Ele riu da minha sugestão.

Precisar mudar novamente me deixou assustada. E, se este novo lugar for pior? E se nesta escola eu não conseguir fugir dos colegas? Ai, meu Deus!

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