quinta-feira, 30 de junho de 2016

A VIDA COMO ELA É! - RESILIÊNCIA - PARTE I, de Ivânia Backes

Esta é a primeira parte da autobiografia da escritora gaúcha Ivânia Backes. Um texto repleto de lições de vida. Tentarei postar aqui algum dos textos para que conheçam mais sobre a autora e sua história. Espero que aproveitem e tirem proveito.

Resiliência para mim é a capacidade de me reinventar a cada tempestade que descortina sobre minha existência, sem perder minha essência. 

Sou esposa, mãe, sogra e avó coruja. Formada em administração, Mestre em Filosofia da Administração, Doutora em Ciência da Administração, e Pós doutoranda “in Business Administration”. Atuo como consultora, facilitadora de aprendizagem, professora, palestrante e por último iniciante na escrita com cinco livros em parceria e um solo. 

Amo escrever, mas nem sempre foi assim. Nasci em uma família de agricultores, de origem alemã. Pai alcoólatra e mãe submissa. Sou a mais velha de quatro filhos. Aos cinco anos ajudava na subsistência da família vendendo morangos, figos e mel na beira da rodovia, atividade comum naquela época. 

Quando completei nove anos, nos mudamos para Novo Hamburgo, em busca de melhoria de vida. Meu pai trabalhava na construção civil, a mãe era doméstica. Do dia para a noite me vi matriculada na escola. 

Meu primeiro dia de aula foi traumático. Fui levada pela mão até a classe pela diretora. Nas primeiras horas, nada fazia sentido porque eu não sabia me comunicar em português. Só sabia falar em alemão. Sentia-me um ser de outro planeta na sala de aula. Era magra, cabelos brancos como a neve, olhos grandes e arregalados, tentando entender o que se passava a meu redor. 

No meio da manhã uma campainha tocou. Dei um pulo da cadeira. As crianças riram e apontavam para mim quando comecei a chorar. Colegas e a professora me olhavam sem entender o que se passava. Em seguida as crianças foram para o pátio. Peguei então meu saco plástico de cinco quilos arroz, em que minha mãe colocara o material escolar e a merenda (lanche). Abri e olhei para o pão molhado com uma camada grossa de banha de porco. Eu detestava pão com banha. Enquanto comia o pão, olhei ao redor. – Onde será que fica a “casinha”? – Pensei. Levantei do banco e fui em direção ao corredor. Nenhuma das crianças ou professores me notou, ou se notaram não se ativeram. A vontade de urinar era angustiante então. Encostei-me à parede. Senti a calcinha ficar molhada. Rapidamente juntei as pernas, cruzei as mãos sobre a vagina e ali fiquei me retorcendo. – Se eu fizer xixi na calça vou apanhar da mãe. 

Neste momento uma menina alta e forte se aproximou. Parou na minha frente 
– Quer fazer xixi? Indagou. 

Como eu nada falei, ela apontou o dedo em direção as minhas mãos, que ainda pretendiam segurar o xixi. Foi quando entendi o que ela queria me dizer. Levantei o rosto fazendo sinal afirmativo. Ela então me pegou pelo braço levando-me em direção ao banheiro que era muito diferente da “casinha” que estava acostumada a usar. Ufa! Consegui no primeiro dia de aula aprender a usar um vaso sanitário e até dar descarga. Ainda hoje lembro com carinho da menina, Maria. 

Voltando para a sala de aula fui recebida pelos colegas com uma chuva de bolas de papel. A professora não estava. Enquanto atiravam as buchinhas cantavam uma canção. Naquele instante não compreendia o que significava, entretanto em alguns meses consegui decifrar a musiqueta repetida diariamente pelos colegas. “Alemoa batata, come queijo com barata.” 

Passados alguns dias, assim que a campainha da escola tocava eu saía em disparada, porque sabia que atrás de mim vinham os colegas correndo e cantando a tal música. Numa destas corridas desabaladas, caí batendo meu rosto nos degraus da escadaria da escola. Professoras me socorreram, mas o resultado foi quatro dentes frontais quebrados. Além de alemoa batata, também virei uma vampira.

* Ivânia Backes é autora do livro "As Peripécias de um Carro de Mensagens ao Vivo.

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